sábado, 23 de outubro de 2010

O Encontro

André pousou o copo vazio sobre a mesa, mantendo a borda para baixo, e olhou pela centésima vez o relógio de pulso naquela noite, sem ao menos se preocupar em disfarçar sua impaciência. Já devia ter dado o fora daquele bar há mais de uma hora, mas, entre uma conversa aqui e um chope acolá, Guilherme e Ricardo acabaram convencendo-o a ficar com eles um pouco mais. Seus amigos pareciam se esquecer completamente de que ele tinha responsabilidades maiores do que as deles em casa – aqueles dois patetas boêmios e inconseqüentes. Sentia-se exausto e irritado consigo mesmo por ter se permitido ficar fora por tanto tempo.

- Estou indo embora – declarou por fim, pegando a velha carteira no bolso de trás de suas calças jeans para pagar sua parte na conta do bar.

Ricardo suspirou com desgosto e bebeu um último gole de seu copo de cerveja.

- Esse imbecil adora estragar o melhor da nossa noite – reclamou ele. – Por que diabos não pode apenas ficar sentado e relaxar um pouco, André?

Por que não poderia relaxar? Bem, talvez porque já passava das onze da noite e seu filho estava em casa esperando por ele com Cecília, quando ele havia prometido voltar até, no máximo, nove e meia.

Cecília... o que ela estaria pensando? Que ele era um pândego irresponsável, provavelmente. Devia estar amaldiçoando até a sua sétima geração por não voltar logo para poder dispensá-la.

Ele não queria que Cecília o amaldiçoasse. Gostava dela.

- O Luís está me esperando em casa há muito tempo – respondeu André, procurando as chaves do carro.

- Pensei que ele estivesse com a babá – retrucou Guilherme.

- Ele está com a babá.

Os três ficaram em silêncio por alguns instantes, olhando a rua mal iluminada pela janela do bar. Cada um parecia estar mergulhado em seus próprios pensamentos, distraídos. Foi Guilherme quem falou primeiro:

- E a garota que eu ia te apresentar, hein, André? Vai fugir de novo?

- Eu não estou fugindo.

Só que estava. André não estava nem um pouco interessado em qualquer mulher que seu amigo tivesse a intenção de lhe apresentar (provavelmente uma gatinha loura de vinte anos e nenhum cérebro, considerando-se os padrões de Guilherme); sentia-se exausto e mal podia esperar para tomar um banho demorado e dormir um pouco antes de precisar acordar novamente para levar Luís à escolinha. Sua rotina era totalmente voltada para as necessidades do filho e para o próprio trabalho, e ele não havia estado com nem uma mulher desde que a esposa havia morrido. De alguma forma, sentia como se aquilo fosse uma traição à memória dela, mas nunca falava sobre o assunto com seus amigos porque sabia que nenhum deles compreenderia. Aqueles dois nada sabiam sobre ter um casamento, muito menos o que era ser viúvo

A única por quem havia demonstrado o mínimo interesse era Cecília. Mas ela era babá do seu filho, o que tornava tudo bastante inapropriado.

- Escuta, eu vou indo mesmo que já é tarde. Quando a garota chegar, peça desculpas a ela por mim – André colocou-se de pé e colocou o dinheiro sobre a mesa. – E leve o Ricardo para casa porque ele não está em condições de dirigir.

E, antes que seus amigos pudessem protestar, saiu do bar e entrou no carro.

Chegou em casa pouco tempo depois. O elevador estava quebrado, como sempre, de modo que teve que subir os quatro lances de escada. Teria que exigir do síndico uma providência urgente. Atrapalhou-se com as chaves na hora de abrir a porta e, quando finalmente conseguiu entrar no apartamento, encontrou Cecília adormecida no sofá, usando uma almofada como travesseiro, com Luís cochilando nos braços.

Morrendo de vergonha por ter feito com que ela esperasse tanto, aproximou-se para acordá-la.

- Oi... – murmurou ela, sonolenta. Percebendo onde estava, apoiou-se nos cotovelos, parecendo alarmada. – Oh, meu Deus, eu não acredito que dormi! Me desculpe! O senhor chegou há muito tempo? Graças a Deus o Luís dormiu aqui também! Imagine se ele estivesse brincando com o fogão? Mil desculpas, “seu” André!

Cecília não parava de se desculpar e listar todos os problemas que sua soneca poderia ter causado para Luís, mesmo André lhe garantindo que estava tudo bem. Ela fez questão de carregar o garotinho até o quarto e colocá-lo na cama, deixando o abajur aceso para que ele não ficasse com medo.

- Que horas são? – perguntou quando voltou para sala para pegar a bolsa e ir embora.

- Onze – admitiu André, meio sem graça. – Desculpe ter demorado tanto. Eu tive uns contratempos... Mas vou pagar a mais pelo horário, é claro.

- Ih, não se preocupe com isso. Depois a gente acerta.

André assentiu e Cecília, com um abraço rápido de despedida, saiu. Ele suspirou, fechou a porta e foi para o quarto.

Na rua, Cecília pegou um táxi direto para casa. Estava cansada demais para sair com os amigos, como havia prometido naquela tarde. Pegou o celular para ligar, justificando sua ausência.

- Sinto muito, eu precisei trabalhar até mais tarde – disse. – Não levem a mal, e peçam desculpas ao cara pelo bolo que eu dei nele. Ainda que essa ideia de encontro às cegas não tenha sido minha, em primeiro lugar.

- Sem problemas – respondeu Guilherme, virando o último copo de soda limonada. Alguém tinha de ficar sóbrio para dirigir, afinal de contas. – Ele já foi embora, de qualquer maneira. Mas tenho certeza que vocês iam se dar bem, Ceci.

Cecília revirou os olhos. Apostava que Guilherme havia levado um cara de trinta anos que ainda morava na casa dos pais e sem nenhum tipo de responsabilidades para conhecê-la. Ela não estava com o menor ânimo, para falar a verdade. Estava chateada, pensando que provavelmente André achava que ela era uma irresponsável que dormia enquanto cuidava do filho dos outros.

Cecília não queria que André pensasse que ela era irresponsável. Gostava dele.

- É, com certeza – respondeu. – Bem, tenho que ir.

- Até outro dia, então – Guilherme desligou o telefone. Pareceu pensativo por alguns instantes, depois deu tapinhas nas costas de Ricardo e levantou-se. – É, vamos nessa, colega, porque ela também não vem. Parece que não foi hoje que eu consegui apresentar aqueles dois. Vem, vou deixar você em casa.

E eles foram.